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segunda-feira, 19 de julho de 2010

João Cândido (O Almirante Negro)


João Cândido – Patrono da Marinha Brasileira? – Por que não?

“Índios, brancos, negros e mestiços
Nada de errado em seus princípios.
O seu e o meu são iguais
Corre nas veias sem parar.”

Na música Etnia, Chico Science prega a harmonia entre as diversas etnias, muito diferente da nossa realidade atual e, principalmente, da realidade brasileira no período da República Velha.
A herança do período escravista deixou marcas na sociedade brasileira e seus reflexos são percebidos até os dias de hoje, nos quais nos deparamos com uma sociedade estratificada, marcada por preconceitos de todos os tipos, pouca mobilidade social e trabalho escravo em canaviais, carvoarias e garimpos.
Apesar das várias denúncias, do ativismo de algumas organizações não governamentais e algumas políticas públicas, por exemplo, a política de cotas para negros nas Universidades, para tentarem minimizar os efeitos maléficos dessa herança, os resultados ainda estão muito longe do ideal.
Durante o período da República Velha a herança do escravismo estava muito mais enraízada do que nos dias atuais. A lógica do branco dominador e do negro dominado, que era característica do período escravista, pouco, ou quase nada, divergia do período da República Velha no qual os brancos (barões do café) ditavam as regras em nossa sociedade.
Essa lógica era percebida em todas as agremiações, corporações e instituições. E não foram poucos os movimentos de contestação tanto no meio rural (a Guerra de Canudos, O Contestado, greves na zona rural e o Cangaço) como no meio urbano (a Revolta da Vacina, o Tenentismo, a Coluna Prestes e a Revolta da Chibata).
Em todos os movimentos de contestação algumas lideranças se destacaram. Mas, João Cândido teve um destaque ímpar na história brasileira pelo fato de ter se insurgido contra uma ordem vigente dentro de uma instituíção tão rígida como era a Marinha Brasileira. Além disso, o Almirante Negro se notabilizou, também, pelo fato de ter sido um oprimido que queria, de fato, acabar com a opressão, ao contrário de outros “heróis” brasileiros que, ao invés de querer acabar com a opressão, queriam sair da condição de oprimidos e passar a condição de opressores.
No período escravista, costumava-se dizer que o negro deveria ser tratado com três pês (pão para comer, pano para vestir e pau para apanhar), o que não divergia muito dos tratos recebidos pelos marinheiros brasileiros no princípio do século XX. Estima-se que 80% da “marujada” brasileira era constituída de negros e mulatos (oprimidos) enquanto a oficialidade era formada por antigos senhores de escravos (opressores), portanto, a lógica de dominação continuou a mesma, ou seja, o branco opressor x o negro oprimido.
Os marujos recebiam um soldo miserável, alimentavam-se com uma comida detestável, quando não estragada, e o pior, eram castigados com chibatadas, amarrados pelos pés e pelas mãos, em cerimoniais bárbaros, de “castigos exemplares”. Os navios da marinha brasileira mais pareciam os navios negreiros. Seqüelas que herdamos dos mais de 300 anos de escravismo. A Revolta da Chibata, portanto, foi um movimento pela “abolição da escravatura” nessa instituíção.

“Quando o ideal é maior do que a vida, vale apena arriscar a vida pelo ideal”.

A frase, de domínio popular, exemplifica muito bem a luta de João Cândido em busca de um tratamento digno e humano para aqueles que dedicavam suas vidas em prol da pátria.
“Nós, marinheiros, cidadãos brasileiros e republicanos, não podemos mais suportar a escravidão na marinha brasileira”. Esse foi o ultimato, dos marinheiros, dirigido ao Presidente Hermes da Fonseca e, expressa, perfeitamente, a situação limite da “marujada”.

“Até quando esperar, a plebe ajoelhar
Esperando a ajuda de Deus”.

Até quando esperar? O título da música da Plebe Rude era o mesmo questionamento que os marinheiros se faziam. Mas, liderados por João Cândido, a plebe não esperou a ajuda divina e partiu para a ofensiva.
Os revoltosos tomaram o comando do encouraçado Minas Gerais e de outros navios e ameaçaram bombardear o Rio de Janeiro (Capital Federal na época), caso o governo federal não aceitasse suas reivindicações.
O governo, pressionado pelo movimento, resolveu ceder às reivindicações dos marinheiros, inclusive comprometendo-se a não punir os rebeldes.

“Meu irmão se liga no que eu vou lhe dizer
Hoje ele pede seu voto amanhã manda os homens lhe prender”.

A prática dos políticos brasileiros, tão bem expressa na letra da música “Candidato caô caô” de Bezerra da Silva, também foi a prática do então presidente Hermes da Fonseca que, descumpriu o acordo, expulsando vários revoltosos da Marinha brasileira. Vários marinheiros rebeldes foram presos e sumariamente executados. Outros, deportados para a Amazônia, obrigados a trabalhar principalmente na extração de borracha. João Cândido foi preso, depois encaminhado para um hospital psiquiátrico e, em 1914, foi anistiado.
Sua liderança no movimento da Revolta da Chibata lhe rendeu algumas homenagens como a canção “O Mestre-sala dos Mares” dos compositores João Bosco e Adir Blanc, o projeto de lei nº 5874/05, determinando escrever o nome de João Cândido, no Livro dos Heróis da Pátria e, uma estátua , de corpo inteiro, nos jardins do Museu da República. Porém, apesar das homenagens, João Cândido ainda sofreu várias humilhações antes de falecer, como por exemplo, a interrupção de uma homenagem que estava sendo feita para ele, quando de seu retorno ao Rio Grande do Sul (Estado em que nasceu). A cerimônia foi suspensa pela Marinha do Brasil.
Percebemos que a instituição a que ele dedicou boa parte de sua vida, não lhe confere o devido reconhecimento. Mas por quê? Será que o comando da marinha continua o mesmo? (brancos opressores). Seu suposto comportamento subversivo deveria ser louvado pela Marinha, pois foi em prol de um bem maior que era a busca de dignidade para todos os marinheiros.
Sem desmerecer os feitos do Almirante Talmandaré (Patrono da Marinha Brasileira), os feitos de João Cândido podiam muito bem lhe conferir o título de Patrono da Marinha, pois ele lutou, efetivamente, por melhorias para os marinheiros. Já o Almirante Tamandaré, apesar de ter lutado em causas nobres (como a guerra de Independência do Brasil), também lutou por causas cuja a nobreza pode ser questionada (Guerra do Paraguai e a repressão as revoltas do período regencial: a Cabanagem, a Sabinada, a Farroupilha, a Balaiada e a Praieira).
Cabe então o seguinte questionamento: Por que João Cândido não pode ser o Patrono da Marinha? Será que é pelo fato dele ser negro? Pelo sim, ou pelo não, cabe a reflexão.

“A carne mais barata do mercado é a negra,
A carne mais marcada pelo Estado é a negra”.

No rap “Carta a mãe África” o poéta do Rap Nacional G.O.G. (Genival de Oliveira Gonçalves) expressa o sentimento de milhões de brasileiros que, de alguma forma, são excluidos da sociedade, e foi por esses brasileiros que João Cândido lutou.

Francisco Celso

Um comentário:

  1. Parabéns pelo belo texto Pirucão!!

    O blog começou com o pé direito!

    Vou recomendá-lo aos meus amigos!

    Um forte abraço do seu irmão...

    Valmir Ribeiro

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