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quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Diversidade


Todos os seres humanos, independentemente de sua idade, sexo, raça, etnia,
opção em relação à religião, ideologia, orientação sexual, ou qualquer
característica pessoal ou social, possuem direitos humanos. Qualquer tipo de
discriminação que mantenha ou promova desigualdades consiste em uma
violação de direitos humanos.

Direitos Humanos


São os direitos que o povo
Precisa então conhecer
Não digo nada de novo
Mas quero oferecer
Uma leitura singela
Que a moça da janela
Possa ler e entender
Trecho do cordel: “Direitos Humanos: isto é fundamental”, autoria
de Salete Maria da Silva

Consciência humanitária: pacifista sim, pacivo jamais!!!


"Primeiro vieram buscar os judeus e eu não me incomodei porque não era judeu.
Depois levaram os comunistas e eu também não me importei, pois não era
comunista. Levaram os liberais e também encolhi os ombros. Nunca fui liberal. Em
seguida os católicos, mas eu era protestante. Quando me vieram buscar já não havia
ninguém para me defender...”.
Martin Niemöller (1892-1984), sobre sua vida na Alemanha Nazista.

Paz não se pede, paz se conquista!!!


“Assim como o broto é na brotação e a semente é na semeadura, a paz é na
sua efetuação como realidade de Justiça, democracia e direitos humanos”.
(Marcelo Rezende Guimarães, Paz: questão de ressignificação)

Violência não!!!


A violência não faz parte da natureza humana. A violência
surge de uma cultura violenta, que só sabe anular as outras
pessoas. Portanto, a violência não é condição de humanidade.

Cultura da Paz


“A violência não é uma fatalidade inexorável, mas colocada pelos humanos, [portanto]
pode ser retirada e trabalhada pelos mesmos humanos que a constituíram.”
(Se queres a paz, prepara-te para a paz, Marcelo Guimarães)

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

56% das 369 vítimas de estupro em 2009 no DF tinham até 17 anos


Em muitos casos, o agressor é o pai, o padrasto ou alguém próximo da família

Adriana Bernardes

Mariana Laboissière

Publicação: 20/12/2010 08:00 Atualização: 20/12/2010 07:55

O número de vítimas de estupro no Distrito Federal cresceu 59,7% no ano passado em relação a 2008, de acordo com relatório da Polícia Civil. E, das 369 vítimas, 207 tinham até 17 anos, ou seja, 56% dos casos. O crime é hediondo e, em boa parte das vezes, o agressor é o próprio pai, o padrasto ou conhecidos da família.

Ameaçadas e humilhadas, as vítimas nem sempre conseguem denunciar a agressão por meio das palavras. Trancam-se em si mesmas numa tristeza sem fim ou explodem em atos de violência e rebeldia. Sinais difíceis de serem compreendidos pelos pais que, após a descoberta do crime, ainda se culpam por terem demorado tanto tempo para enxergar a verdade.

O abuso sexual contra crianças e adolescentes ocorre sem distinção de classe social, de escolaridade e de cor da pele. Quando é descoberto dentro do próprio lar, o choque parece ser ainda maior. “O chão sumiu dos meus pés e eu não conseguia pensar direito. As palavras da minha filha dizendo 'foi o papai que me machucou, mamãe' não saíam da minha cabeça. Ao mesmo tempo era difícil acreditar que o pai, que sempre foi tão presente e carinhoso com ela, seria capaz daquela monstruosidade”, relata Ludmila*, 31 anos, servidora pública e mãe de Iara*, de apenas 3 anos, abusada pelo próprio pai.

Desde a descoberta do crime, mãe e filha recebem acompanhamento psicológico. O pai da garota perdeu o direito de vê-la por ordem judicial e está sendo investigado pela polícia. “Me pergunto como pude ser tão cega. Ela mudou. Estava desobediente, birrenta, agressiva. Se ia brincar, tirava as roupinhas das bonecas. Surpreendi-a manipulando o órgão genital, mas achei que fosse parte do desenvolvimento dela”, relembra Ludmila, lutando para não se culpar pelo que ocorreu.

Apesar de tudo, Iara sente falta do pai e pede para vê-lo. “Eu não posso dizer para minha filha que o pai é um traste. Só espero que no futuro ela entenda que fiz tudo o que podia para protegê-la. Espero que ela sinta que, se estivesse no meu lugar, teria feito a mesma coisa”, diz, aos prantos, a servidora que se preocupa ainda sobre como será a fase da descoberta do amor, do sexo, qual será a visão da filha de homem, pai e marido. “Não dá para saber. Só o tempo dirá se ela conseguirá superar isso.”

O drama da servidora pública exemplifica bem o risco de se traçar um perfil do abusador. “Se a gente cria um perfil, cria também a falsa sensação de que é possível proteger as vítimas de determinado grupo e isso não é verdade. Pode ser qualquer tipo de pessoa, de todos os credos e cores, ricos e pobres”, explica o delegado Stenio Santos Sousa, do Grupo Especial de Combate aos Crimes de Ódio e à Pornografia Infantil na Internet (Gecop), da Divisão dos Direitos Humanos da Polícia Federal.

O abuso sexual é um crime que está intrinsecamente ligado ao segredo e ao silêncio. Não porque a vítima queira, mas porque é forçada a isso. De acordo com o psicólogo Reginaldo Torres Alves Júnior, supervisor substituto e analista judiciário da Área de Apoio Especializado de Psicologia da 1ª Vara da Infância e da Juventude (1ª VIJ), nem sempre a criança entende e rejeita o abuso. “Ele pode ser entendido como um carinho diferente, especial. Quando revelado, o adulto tem mais facilidade em desqualificar a criança, isto é, acredita ser mais provável que ela esteja mentindo”, diz.

De acordo com o delegado do cartório da Delegacia de Proteção à Criança e o Adolescente (DPCA), Alexander Traback, a instauração de inquérito pela entidade se dá quando há o mínimo de indícios de que uma criança foi abusada sexualmente. “Se a criança confirmou a violência, independentemente do laudo do IML (Instituto Médico Legal) dar resultado negativo, abrimos o procedimento”, esclarece.

O problema, segundo Traback, é que esses crimes, geralmente, são praticados sem testemunhas. “A dificuldade de incriminar o autor se dá porque, normalmente, são pessoas que não têm passagens pela polícia, têm bons antecedentes e emprego fixo. É a palavra de uma criança contra a palavra de um adulto.

Aqui, fazemos cursos de técnicas de entrevista, mas alguns juízes não têm essa expertise. Por esse motivo acredito que devam ser criadas varas especializadas no atendimento da vítima”, finaliza.


"O chão sumiu dos meus pés e eu não conseguia pensar direito. As palavras da minha filha dizendo ‘foi o papai que me machucou, mamãe' não saíam da minha cabeça. Ao mesmo tempo era difícil acreditar que o pai, que sempre foi tão presente e carinhoso com ela, seria capaz daquela monstruosidade”
Ludmila*, 31 anos, servidora pública e mãe de Iara, de apenas 3 anos, abusada pelo próprio pai

*Os nomes são fictícios para preservar as vítimas e em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente



Palavra de especialista
Conversar é fundamental
“O abuso sexual de crianças e adolescentes é um crime difícil de provar porque não há na Justiça, que eu saiba, um único abusador que tenha reconhecido que praticou o abuso. Ele acha que foi a vítima que seduziu ou alega embriaguez. Não assumem o fato porque isso desqualifica a imagem que têm de si mesmos. O abusador comete o abuso às escondidas, à noite ou quando a criança está sozinha. Ele se aproveita das circunstâncias e depois aparece como o cidadão acima de qualquer suspeita.

É preciso que os pais conversem com as crianças. É importante que, já no primeiro ato do abusador, a criança tenha a confiança em quem a proteja para relatar o ocorrido. As orientações podem começar aos 3 anos de idade. Isso também implica em um pacto dentro de casa entre o casal. É preciso que o assunto faça parte das conversas de namorados, noivos e casados. A escola não é o único capital que um pai dá ao filho. A informação, a garantia da integridade física e a capacidade de diálogo são fundamentais entre casais hetero ou homossexuais. A sexualidade não pode ser um assunto que fique debaixo do tapete.

Não há que se responsabilizar a criança pela denúncia. O responsável por educar é o adulto. O que a gente indica é diálogo entre o casal. Porque o adulto tem desejo. Não é a questão de negar o desejo, mas se ele surgir, sublimar e respeitar a criança na sua beleza e no seu desenvolvimento. Não se pode colocar essa como uma relação anjo com anjo. É uma relação de gente.


"Vivemos um momento de individualização da sexualidade, ou seja, a pessoa busca o seu prazer individual desconsiderando a pessoa do outro. Nós temos que educar a sociedade para o respeito ao corpo, à sexualidade da mulher e da criança para que ela seja exercida de acordo com o desenvolvimento da própria pessoa. O adulto tem que exercer a sua sexualidade com o adulto. Ele pode decidir pela aceitação ou rejeição do desejo por crianças. Mas se tem essa preferência, precisa fazer tratamento.”
Vicente Faleiros é assistente social e professor da Universidade de Brasília e da Católica.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

A cor da ciência



A pobreza, a ausência de políticas públicas e o racismo impedem o acesso dos negros a cursos de maior prestígio, à pós-graduação e à carreira científica

Por: Cida de Oliveira, Rede Brasil Atual

Publicado em 12/11/2010


(Foto: Andrea Rego Barros)
Telefone celular, ar-condicionado, elevador, geladeira. Indispensáveis, esses itens são parte de uma extensa lista de invenções e descobertas de cientistas negros. São tantas que a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), ligada à Presidência, resolveu promover algumas delas no estande montado na Esplanada dos Ministérios, durante a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, em outubro.

De acordo com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, nos últimos dez anos a produção científica nacional cresceu 200%, passando de 10 mil para mais de 30 mil estudos publicados em revistas especializadas internacionais. Mas a população afrodescendente não é contemplada por esse salto.

Pesquisa da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros detectou, entre 705 entrevistados, que 82% têm formação em ciências humanas, como Educação, Sociologia, História, Letras, Geografia. Racismo, ausência de políticas públicas, dificuldade de acesso à educação pública de melhor qualidade e baixa autoestima estão entre os fatores que inibem a presença do negro em cursos que abrem as portas para a carreira científica.

O físico Ernane José Xavier Costa, pesquisador do Departamento de Ciências Básicas da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da USP de Pirassununga (SP), é direto: “É preciso que as instituições admitam que a ciência e a tecnologia no Brasil têm cor. E é branca, feita por brancos e para brancos”. Ele coordenou o primeiro simpósio no país sobre a população negra na ciência e na tecnologia. A ideia surgiu em uma das viagens a Angola, onde participa de um projeto em parceria com uma universidade. “Embora o Brasil tenha inúmeros projetos na África, ouvi de um africano que eu sou o primeiro cientista brasileiro negro visto por lá.”

Ernane lembra que foi preciso bater em muitas portas até conseguir apoio para o evento. E, se não fossem relações pessoais, não teria conseguido sequer espaço para divulgação na agência de notícias da universidade em que trabalha. O resultado foi muito bom, apesar de nenhum dos pró-reitores da maior universidade pública brasileira ter comparecido.

Graduado em Administração Pública pela Universidade Federal da Bahia, com mestrado em Ciência Política pela Federal de Pernambuco, Carlos Augusto Sant’Anna Guimarães é pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, de Recife. Para ele, o racismo é o principal entrave à entrada de pretos e pardos em cursos como Medicina, Ciências Biológicas e Engenharia, portas para a nata da pesquisa, como aquelas feitas em biotecnologia, células-tronco, nanotecnologia. “O racismo é estruturante da sociedade brasileira e o fator econômico é um fenômeno que se junta a outros”, afirma. “Os negros são pobres porque são discriminados, e não discriminados porque são pobres.”

Para ele, acentua as desigualdades o fato de a ciência ser considerada senhora da verdade e da razão, um bem social de grande valor. E, nessa perspectiva, o cientista estaria acima do bem e do mal, porque busca a verdade e trabalha com fatos. “Em última instância, é chamado para dar a palavra final, ocupando assim posição de destaque, prestígio e poder.”

O pesquisador, que não encontrou 20% de pretos e pardos durante toda a sua vida acadêmica e não lembra de ter tido professores desse grupo, conta que há apenas três pesquisadores de pele negra entre os mais de 100 que atuam na fundação em que trabalha. Como diz, a questão racial está enraizada no Brasil, em todos os espaços, trazendo implicações sociais, econômicas e psíquicas que geram um grupo de indivíduos que se sente superior a todos e outro que se sente inferior.

“É preciso romper com essa ideologia racista na qual nem mesmo o negro militante percebe que está sendo alvo. E o pior é a naturalidade dos que a praticam. Ao cruzar com um negro, a pessoa logo pensa se tratar de um bandido. E ainda acha que isso não é racismo”, dispara. “Até que se prove o contrário, o branco é bom e o negro é mau, fracassado, sem cultura, sem educação, que não pode estar em determinados espaços, como a iniciação científica e a seleção para mestrado e doutorado.”

A química Denise Alves Fungaro, do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), em São Paulo, tem dados que quantificam a afirmação de Guimarães. Com base num levantamento que fez para uma reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), ela diz que, dos 6 mil doutores titulados a cada ano no Brasil, somente 1% é negro e menos de 1% das pesquisas focalizam assuntos de interesse dessa população. Em 2001, quando a USP realizou um censo, apenas 9,64% dos seus alunos eram negros, enquanto essa população no estado de São Paulo correspondia a 34,3%. “Estudos sobre inserção desse grupo no ensino público superior brasileiro constataram que 0,4% dos docentes em universidades públicas são pretos e pardos. Se nada for feito, a projeção para os próximos 170 anos é que esse percentual atinja, no máximo, 1%”, adverte.



Questão de oportunidade
Com pós-doutorado pela Universidade de Coimbra, Portugal, e sete prêmios pela pesquisa sobre tratamento de água poluída, Denise atribui seu ingresso na carreira científica à educação pública de qualidade, à renda familiar adequada e à oferta de bolsa de pós-graduação. “Desde pequena quis ser cientista. Minha sorte é sempre ter gostado de estudar.” Filha de zelador, não desprezou o privilégio de morar na região central da cidade e poder frequentar um colégio público de referência, o Caetano de Campos. Chegou ao ensino médio quando a educação gratuita entrava em crise. Com a ajuda dos pais, fez cursinho pré-vestibular durante o último ano e ingressou no Instituto de Química da USP. Se praticamente não havia negros nas fases anteriores, na faculdade menos ainda. “Ter me destacado nos estudos, sempre, me nivelou aos demais colegas. Acho que por isso nunca me senti discriminada.”

A dedicação aos estudos, aliás, é a maneira encontrada para furar o cerco. O físico Cláudio Elias da Silva, professor do Instituto de Física da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), é filho de pai feirante e mãe artesã. Criado na Baixada Fluminense, seu currículo inclui cursos na Europa e mais de um ano e meio como pesquisador na Agência Espacial Americana, a Nasa. “Ainda criança, percebi que não me encaixava no padrão dos meninos preferidos pelas meninas. Descobri o estudo como aliado para superar essa desvantagem quando passei a dar aulas de reforço para uma menina, bonita, que só passou a olhar para mim depois que soube que eu era bom em matemática”, lembra Cláudio.

Reconhecido e admirado, ele passou a estudar mais e mais. Fez colégio técnico e, durante o estágio numa empresa de telefonia, percebeu que os técnicos faziam faculdade à noite e não eram promovidos quando se formavam. Com o fim do estágio, investiu o tempo nos estudos e em aulas que dava num cursinho. Passou no vestibular da universidade onde hoje leciona e, depois de graduado­, deu aulas numa particular.

Fez mestrado, doutorado, estudou na Itália. Racismo, mesmo, só sentiu nos Estados Unidos. “Notei que um engenheiro que trabalhava na mesma sala não respondia a minhas perguntas quando estávamos a sós, apenas em reuniões. Além de negro, eu era o latino-americano que ameaçava seu emprego. Na Itália, talvez por causa do meu preparo acadêmico, nunca me senti discriminado e fiz muitas amizades. Quando adolescente, na Baixada, eu só via racismo quando o menino negro queria namorar a menina branca”, conta.
Estudar com afinco marcou a trajetória de Sonia Guimarães, de São José dos Campos (SP). Filha de tapeceiro, ela foi a primeira mulher a lecionar no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), onde chegou em 1993.

Hoje, Sonia divide seu tempo entre os laboratórios e a gerência de um projeto de um dispositivo estratégico para a defesa das fronteiras no Instituto de Aeronáutica e Espaço. Com graduação na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), mestrado na USP e doutorado em Bolonha, na Itália, a pesquisadora foi recebida com desconfiança por parte de muitos colegas, principalmente de alta patente militar. “Meu currículo e a fluência em duas línguas estrangeiras pareciam não significar nada”, afirma. Para ela, faltam incentivos e facilidade de acesso para a carreira científica. E isso vale também para o branco.

Na infância, a criança é desestimulada a estudar Física, por exemplo, porque não terá onde trabalhar. “O sonho já é morto logo que nasce”, diz Sonia. E depois, já na adolescência, falta apoio para o ritmo intenso de estudos e o tempo passa a ser dividido, em muitos casos, entre festas, passeios e diversão. “O estudo deixa de ser a meta principal. Como vamos conseguir ir bem no curso e obter os melhores empregos?”, questiona. “Como fazer isso indo a festas em plena segunda-feira à noite?” Para piorar, segundo ela, o Estatuto da Igualdade Racial, sancionado em julho passado pelo presidente Lula, não prevê cotas para negros em universidades, empresas e candidaturas políticas.

A falta de educação pública de qualidade, bem como de expectativa de ingresso na universidade e na pós-graduação, são outros obstáculos, na opinião de Paulino de Jesus Francisco Cardoso. Vice-presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros e pró-reitor de Extensão, Cultura e Comunidade da Universidade Estadual de Santa Catarina, ele diz que, além dos problemas estruturais, a escola pública brasileira, sem condições para lidar com as diferenças, é mais excludente para o negro. “A cultura disseminada em festas não contempla os costumes e religiões, por exemplo. E, quando isso acontece, é de maneira equivocada e preconceituosa”, afirma. “Com poucas condições de permanecer no ensino fundamental e médio, como vão pensar em universidade?”.

Ele diz que o sistema de cotas é positivo mas insuficiente, uma vez que a adesão ao sistema é questão de orientação de governo e das universidades, e não política de Estado. “Devem ter entrado este ano entre 150 e 200 alunos pelas cotas na Universidade Estadual­ de Santa Catarina, o que é muito pouco”, argumenta. Graduado em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com mestrado e doutorado pela PUC de São Paulo, Paulino conta que os únicos negros que vê na faculdade são africanos.

O neurocientista paulistano Miguel Nicolelis é hoje um dos cientistas de maior destaque em todo o mundo. Só neste ano ganhou dois dos mais importantes prêmios concedidos pelo governo americano. Para ele, que dirige também um centro de neurociências em Natal, a séria questão racial no âmbito científico reflete principalmente a baixa qualidade do ensino público, no qual estão os negros, e é agravada pela falta de capilaridade da produção científica brasileira. “A produção está concentrada em São Paulo e não é compartilhada como deveria, indo ao interior do Piauí, por exemplo, para que a criança a conheça e se interesse”, afirma. Para Nicolelis, a ciência tem de sair do pedestal e deixar de lado o ranço aristocrático. “Pouco adianta aumentar investimentos, chegando aos 4% do PIB que queremos, se o conhecimento científico e tecnológico não for compartilhado igualmente por todos os brasileiros.”

FONTE: Revista do Brasil

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

“Não sou Brasil”


Por Cristovam Buarque:

Nos últimos meses, tenho aproveitado meu tempo livre para andar pelo País, levando uma campanha chamada Educação Já. Como no tempo das Diretas Já, que mobilizaram o Brasil pelo fim do regime militar, defendo que é hora de despertar o povo para a necessidade de uma revolução no País, por meio da educação. Fazer com que cada criança tenha a mesma chance na vida, com garantia de escola com a mesma qualidade, não importa a renda da sua família ou o tamanho da cidade onde more.
Na última semana, visitei a Universidade Zumbi dos Palmares, em São Paulo, fundada e dirigida pelo Reitor José Vicente. Essa universidade tem a maioria dos alunos negros, como se houvesse uma cota para brancos. Tem boas instalações, oferece cursos de qualidade. A primeira impressão quando entramos, e vemos dezenas de jovens negros, é de que não estamos no Brasil, mas sim na África. No entanto, aquela é a cara do Brasil. Deveríamos estranhar encontrar o contrário - apenas brancos nos bancos universitários.
Esse estranho estranhamento explica por que um estudante jovem, ao final da palestra, pediu a palavra e desabafou: “Eu não sou Brasil”, declarou. “Vocês são um Brasil, eu sou outro. Não sou o Brasil dos ricos, dos brancos, do Senado, da Câmara, do Governo, da Justiça. Não sou esse Brasil que me ignora. Fiz muito esforço para chegar à universidade. Vou conseguir um diploma, mas de que ele vai adiantar, se eu não tiver emprego? E eu não terei um. Porque eu não sou Brasil.”
Quando um jovem afirma que não é Brasil, está fazendo uma declaração muito grave. O que ele quer dizer é: “vocês são Brasil; eu não. Não sou esse Brasil que está nos jornais; nas TVs oficiais, nas campanhas publicitárias do Poder Executivo ou na impunidade alimentada pela Justiça.”
Mas se ele não assumir sua nacionalidade, não terá futuro. Mesmo que fique rico e tranqüilo, será ameaçado, assaltado, seqüestrado. Mesmo que consiga seu diploma, o Brasil não será seu, se ele viver cercado de analfabetos, miseráveis, excluídos. Ou o Brasil é bom para todos, ou não será bom para ninguém.
Aquele jovem precisa entender que é Brasil, mesmo que não queira. Ainda que decida partir, emigrar, aonde for, será Brasil. Por isso, pedi-lhe que não desistisse da luta, que ajudasse a mudar o Brasil. Porque se ele não o fizer, não terá futuro sozinho.
Mas seu desabafo deve servir de alerta para todos nós, governantes. Aquele jovem pode não retratar o País em sua totalidade, mas representa uma parcela significativa da população, que não se sente parte do Brasil oficial - o país do Governo, do Congresso, do Judiciário. Que não vê relação entre o que se diz e se faz no Brasil oficial e no Brasil de cada um, nem vê em nós a solução para seus problemas. Como se, dividido pelo individualismo, corporativismo, oficialismo, povo e Estado, o Brasil transmitisse aos jovens a idéia de que eles não são brasileiros. E essa divisão nos destruirá.
Espero que o grito daquele jovem nos desperte para a necessidade de mudar a maneira como nós, governantes, pensamos, falamos, agimos. Ou despertamos, ou não haverá futuro. Precisamos ouvir as pessoas que estão lá fora. Indignadas, descontentes, frustradas e, acima de tudo, perdidas. Não confiam no País, não conhecem seus líderes, ou pior, não têm líderes.
O Brasil está empacado. Pode crescer na economia, no número de universitários, mas não será uma nação civilizada, se não acabarmos com o fosso que nos separa. Aquele jovem não estaria na universidade se não fosse a evolução por que passou o Brasil nos últimos anos. Mas estar na universidade não basta, porque o que ele aprende ali não lhe dará o emprego que ele gostaria de ter; e se der, não dará a outros. E mesmo que dê emprego a todos os universitários, não resolverá os problemas fundamentais da sociedade brasileira. Não bastará para construir nosso futuro.
Não haverá futuro para nenhum de nós, enquanto um jovem nos olhar nos olhos e nos disser que ele não é Brasil.

Cristovam Buarque é senador (PDT-DF)