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domingo, 18 de dezembro de 2011

A paz que eu não quero ter



A FEIRA DA GUERRA – A PAZ QUE EU NÃO QUERO TER

Armada no pavilhão 3 da mesma maneira como se fosse a “Feira da Providência”, com estandes de diversos países, essa “feira” também reuniu fabricantes de todos os lugares do mundo, dentre eles Israel, Rússia, Brasil, EUA (com cerca de 100 empresas), França, Itália, Índia, Paquistão e por ai foi, mas no lugar dos artigos de artesanato, decoração e comidas típicas, os produtos que estavam a venda nos estandes eram pistolas, fuzis, munição, mísseis, minas, gás de pimenta, equipamentos de visão noturna, aviões, helicópteros e tanques de guerra, e mais todos os outros artigos que se possa imaginar que são necessários para se fazer uma guerra, seja ela uma guerra de trincheira, tecnológica, ou uma mais próxima geograficamente de nós, a “guerra” das favelas e cidades brasileiras.

Todos os produtos estavam expostos e à disposição dos visitantes para serem “experimentados” e claro com vendedores ou expositores atenciosos, dispostos a esclarecerem qualquer dúvida sobre como determinado artigo deveria ser manuseado para que obtivesse seu melhor desempenho. Em muitos dos estandes havia também as bonitas modelos de agências de eventos promocionais (como aquelas que vão à feiras de lançamentos de automóveis) para recepcionarem os interessados e entregarem souvenirs como chaveiros com os nomes das empresas fabricantes e os panfletos informativos, materiais supercompletos e com acabamento impecável.

Quem por acaso notou que na última semana algum dos seus “amigos” de de orkut, my spaces, facebooks e etc postaram algumas fotos posando com pistolas, fuzis, ou próximos a mísseis podem ter certeza que eles passaram por lá, pois qualquer visitante podia pegar uma pistola, dentre as muitas sobrepostas nos balcões de empresas como a Taurus, fingir fazer a mira e apertar o gatilho. Via-se pais e mães orgulhosos de seus filhos por estarem portando armas enormes na na presença de tantas autoridades e flashs, mas sobre tudo na presença da LEGALIDADE. A quantidade de pessoas que faziam poses com cara de tigre era enorme.

Pela total naturalidade dos interessados todos pareciam estar no balcão da padaria, pedindo 3 pãezinhos ao seu Manoel ou então na fila de frios do supermercado quando se pede uma prova de queijo minas para saber se tem pouco ou muito sal, só que atrás do balcão não estava o seu Manoel, e sim as grandes indústrias mundiais fabricantes de instrumentos bélicos, que fomentam as guerras pelo mundo. O que contava não era o teor de sal do queijo, as pessoas (homens em 99,%) se orgulhavam ao experimentar e medir o quanto as armas se adaptavam em suas mãos ou seu corpo, falo de um instrumento feito para matar seres humanos, o que ali desde a organização, o tratamento da imprensa, a naturalidade da circulação dos visitantes pelos corredores parecia ser algo ou desprezado ou já totalmente internalizado como “o que deve ser feito”.

Dentre os visitantes havia grupos grandes da marinha, aronáutica, exército, com jovens aparentando ter menos de 25 anos, que circulavam animados pelos estandes, experimentando os artefatos e conversando com as belas recepcionistas, e vi também alguns poucos membros do BOPE. Esses grupos estavam devidamente identificados pelos uniformes, mas a maioria das pessoas eram “civis”, e havia também homens de terno e gravata, com aparência e postura dos chamados “homens de negócio”.

Para entrar na LAAD, era necessário apenas fazer o credenciamento pelo site ou lá na hora mesmo, na entrada do pavilhão no RioCentro. Para a imprensa, o processo era o mesmo. A imprensa que presenciei por lá estava representada apenas pelo canal do Exército Brasileiro e vi uma equipe de TV que a princípio me pareceu de japoneses. Pedi um cartão, e agora com uma rápida busca no google vi que se trata de uma Agência de Notícias, a Xinhua, instituição jornalística estatal da República Popular da China, o maior centro de distribuição de notícias e informações da China.

No release da feira, e em muitos dos materiais gráficos dos estandes, o “lema” se pautava pela apresentação das mais modernas tecnologias e estratégias existentes para a obtenção ou manutenção da SEGURANÇA e estabelecimento das DEFESAS nacionais.

Eu também estava lá, com meus amigos, durante o tempo em que circulei e presenciei todo esse “clima” do evento, na minha cabeça surgiam diversos momentos das filmagens do Falcão Meninos do Tráfico e da realidade das favelas de todo o país por onde passei ao longo dos anos, onde vi e vejo crianças de 10 anos (ou menos) em diante com armas nas mãos.

Foi impossível não ver a imagem que se formava na minha mente de que muitas dessas novas tecnologias para promover a segurança apresentadas no RioCentro acabarão tendo esse mesmo destino, indo parar nas mãos de crianças e jovens das favelas, causando a nossa “guerra” urbana de todo dia, e, do outro lado, estarão nas guerras oficias, nos arsenais dos israelenses, palestinos e povos africanos que se matam, se dizimam e provocam atentados matando milhares de civis. Mas ali, entre os homens de negócios que circulavam tranquilamente com suas pastas, nada o que estava sendo vendido parecia ter qualquer relação com essas tragédias. Com absoluta certeza, todos botaram suas cabeças no travesseiro e foram dormir tranquilos e muito possivelmente com alguns milhões a mais em suas contas-bancárias e/ou na contabilidade de suas empresas.

Diante disso, faço apenas 2 perguntas:

Essa é a forma que o mundo conseguirá ter segurança, se armando cada vez mais e “melhor”?

O combate à violência e o fim das guerras faz realmente parte da agenda dos governantes mundiais, como é declarado todos os dias nos jornais, ou as guerras urbanas e os conflitos entre países são apenas meros meios para aumentar e manter o todo o poderoso mercado de material bélico e imensa rede que o circunda?

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