Semeador de Utopias
O presente blog tem por objetivo compartilhar idéias, textos, músicas, poesias, filmes, em fim, todos os recursos tecnológicos, disponíveis para esse ciberespaço, que tenham por finalidade a difusão da idéia de que uma transformação positiva é possível em nossa sociedade e que a cibercultura, com toda a sua universalidade, nos possibilita sermos sujeitos ativos dessa transformação. Sejam bem vindos. Francisco Celso
quarta-feira, 21 de novembro de 2012
Ministro Gilberto Carvalho compara violência em São Paulo à Faixa de Gaza
Por: Da Redação do Portugal Digital, com Agência Brasil
21/11/2012
Brasília - O ministro da Secretaria-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, comparou hoje (20) o número de mortos na onda de violência vivida em São Paulo, ao do conflito entre israelenses e palestinos, na Faixa de Gaza.
Carvalho observou ainda que "finalmente" houve aceitação, por parte do governo de São Paulo, de parceria com o governo federal para combater a criminalidade no estado. Ele reconheceu ainda que o problema não é de fácil solução e depende de um trabalho conjunto entre as duas esferas de governo.
"Estava vendo ontem que estamos alarmados com os mortos na Palestina, mas as estatísticas mostram que em apenas um dia na Grande São Paulo você tem mais gente assassinada do que num ataque desses. Então, a gente tem que ter consciência disso, reconhecer e trabalhar", disse após participar da instalação da Comissão Nacional da Política de Agroecologia e Produção Orgânica.
Segundo o ministro, é preciso ter humildade para reconhecer a complexidade da questão."A gente nunca deve vender ilusões. Os problemas se desenvolvem durante longo tempo e criam tal raiz que depois o combate a essas raízes nunca se dá de forma tão rápida e abrupta como a gente sonharia", observou.
Nos últimos dias várias pessoas foram baleadas e assassinadas em São Paulo. A onda de violência levou os governos do estado e o federal a firmarem parceria para o combate ao crime organizado. "O passo que quero saudar é que finalmente houve aceitação por parte do governo de São Paulo dessa parceria com o governo federal. Acho que todos temos a ganhar com isso, particularmente a população de São Paulo", completou.
Fonte: PORTUGAL DIGITAL
terça-feira, 13 de novembro de 2012
(ARTIGO) No mundo das ilusões da velha mídia
Imaginemos alguém que só lesse, escutasse ou visse a velha mídia. Que visão teria do Brasil e do mundo?
Em primeiro lugar, não poderia entender por que um governo – corrupto, incompetente, com a economia à deriva, nomeando ministros como troca-troca eleitoral, que cobra muitos impostos, que está atrasado na entrega de todos as obras, do PAC, do Mundial e das Olimpíadas, que tem politica exterior aventureira, etc., etc. – tem 75% de apoio do povo.
Não entenderia como um líder como o Lula – que tem 80% de referências negativas na mídia – consegue que 69,8% dos brasileiros queiram que ele volte a ser o presidente do Brasil em 2014.
Não poderiam entender como o PT – partido corrupto, protagonista do maior escândalo da historia do Brasil – sai fortalecido das eleições municipais, eleja mais prefeitos e mais vereadores e ameace tirar dos tucanos a prefeitura mais importante do Brasil, a de São Paulo – tão bem administrada pela competência dos tucanos.
Não saberiam por que a economia brasileira não naufraga, se leem todos os dias que tudo vai mal, que o governo faz tudo errado, que a economia não cresce. Por que o governo continua a estender as políticas sociais, sem os recursos que a economia deveria lhe dar.
Não entende por que o FHC dá seu apoio e participa da campanha do candidato tucano no Rio – junto com o Aécio e o Álvaro Dias -, mas o candidato tem apenas 2,47% dos votos. Como os tucanos e o DEM perderam 332 prefeituras, sendo os mais preparados para governar.
Leem numa revista semanal que a Argentina é “governada por autoridades cada vez mais repressoras”, que “bloqueiam as liberdades individuais, como o acesso à livre informação, a bens de consumo e ao capital”. Que o governo “já tem o controle autoritário de 80% (sic) dos canais de radio e tv do país”. Que “na ilha de Cristina, os cidadãos só leem o que ela quer”.
Que as grifes “Escada, Armani e Yves Saint-Laurent fecharam suas lojas no país”, assim como a Vuitton e a Cartier. Que a “Avenida Alvear está com ares de fim de feira”. Que “na ilha de Cristina os investidores são tratados como piratas”.
E, no entanto, a Cristina é reeleita no primeira turno. Como entender isso, vendo a velha mídia?
Como entender que a Venezuela está se desfazendo, entre a ineficiência da sua economia, a corrupção e a violência, mas o Hugo Chavez é reeleito para um quarto mandato?
Que a América Latina vai bem enquanto os EUA e a Europa vão mal?
Tudo parece de cabeça pra baixo, o mundo parece absurdo, incompreensível, para quem depende da velha mídia, dos seus jornais, das suas revistas, dos rádios e da suas TVs.
sábado, 12 de maio de 2012
Alunos de escolas públicas dominam premiação sobre história afro-brasileira
Por: Isabela Vieira
08/05/2012
Todos os nove vencedores do Concurso de Redação Camélia da Liberdade são de escolas públicas ou de pré-vestibulares sociais. Com o tema Luiza Mahin: uma Rainha Africana no Brasil, foram inscritos trabalhos de 372 instituições de ensino do Rio e de São Paulo. Os melhores textos serão premiados hoje (2) em eventos paralelos.
Serão distribuídos aos alunos vencedores e seus professores tablets (computadores em forma de prancheta) e máquinas fotográficas digitais. Além disso, as escolas que tiraram primeiro lugar, incluindo os cursos pré-vestibulares, receberão laboratórios de informática.
Organizado pelo Centro de Articulação de Populações Marginalizadas, o objetivo da competição, na quinta edição no Rio e na quarta, em São Paulo, é estimular a aplicação da Lei 10.639. Aprovada em 2003, a legislação tornou obrigatório o ensino da história e da cultura afro-brasileira em todas as escolas brasileiras até o ensino médio.
O representante do Ceap, Ivanir dos Santos, explica que as escolas são responsáveis pelas inscrições dos alunos no concurso. "[As escolas] Recebem um caderno com informações históricas preparadas por especialistas sobre o tema - neste caso Luiza Mahin, mãe de Luiz Gama e responsável pela Revolta dos Malês, na Bahia - e desenvolvem o tema", disse.
Ao comentar o resultado do concurso, ele reforçou o convite à participação de escolas particulares. Nos últimos anos, o percentual de inscrições desses colégios é baixo, segundo Ivanir, porque ainda há resistência das escolas privadas à aplicação do conteúdo da Lei 10.639.
"No conjunto geral há mais resistência nas escolas privadas. Nas escolas públicas também há, mas lá vemos mais professores que se capacitaram e que aplicam a lei, independente, muitas vezes, até das posturas das Secretaria de Educação", declarou o organizador do prêmio.
O tema do próximo concurso será Pequena África. Localizada na zona portuária, no Rio, a região é símbolo do desembarque no Brasil de africanos escravizados. Também é conhecida como "berço do samba" e pela comunidade quilombola Pedra do Sal.
Edição: Fábio Massalli
"O professor precisa estar atento às diferentes camadas do contexto social." Entrevista com o Prof. Richard Milner (EUA)
Por: Sonia Dias
11/05/2012
Por ser uma sociedade formada por imigrantes, muitas pessoas consideram os Estados Unidos um melting pot, um caldeirão onde diferentes culturas se misturam. Apesar disso, a convivência entre os diferentes nem sempre foi pacífica. Exemplo disso é o movimento pelos direitos civis que nos anos 60 conseguiu reverter leis segregacionistas, como a que não permitia que negros e brancos sentassem lado a lado no ônibus ou que crianças negras e brancas frequentassem a mesma escola.
Ultimamente, o grande contingente de imigrantes latinos e asiáticos veio reforçar a diversidade já existente na sociedade americana. O Census Bureau(órgão comparável ao IBGE brasileiro) prevê que em 2100 cerca de 40% da população americana será formada por não brancos, ou seja, latinos, afro-americanos, asiáticos e outros grupos multirraciais, muitos deles tendo como problema adicional a falta de domínio da língua inglesa.
Incorporar esses grupos à escola tem sido um grande desafio. O professor H. Richard Milner IV trabalha com a formação de educadores, preparando-os para lidar com a diversidade nas escolas, além de coordenar o Programa de Pós-graduação em Aprendizagem, Diversidade e Estudos Urbanos, do Peabody College, na Vanderbilt University, em Nashville, Tennessee. O prof. Milner também é autor do livro Start Where You Are, but Don’t Stay There: Understanding Diversity, Opportunity Gaps, and Teaching in Today’s Classrooms (não lançado no Brasil). O título vem de um ditado africano e quer dizer: Comece onde você está, mas não fique aí, e resume bem a sua abordagem determinada, mas otimista: é preciso reconhecer os desafios e avançar, sempre.
Em entrevista concedida ao Portal Cenpec durante o intervalo entre uma visita, o atendimento aos alunos e suas aulas, ele fala sobre as diferenças de desempenho e oportunidades entre os estudantes, a importância do relacionamento entre professores e alunos e a dificuldade de alguns docentes em reconhecer as diferenças, sociais, raciais, culturais entre os alunos e a meritocracia.
Portal Cenpec: Ao falar em diversidade em educação, o senhor costuma falar sobre diferenças de oportunidade. Como elas podem ser definidas?
Richard Milner: Para mim, diferenças de oportunidade são aquelas disparidades relacionadas ao acesso que os estudantes podem ter ou não. Assim, em comunidades abastadas e homogêneas (afluentes), onde dinheiro pode não ser um problema, podemos encontrar estudantes que não têm oportunidade de se envolver em questões ligadas à diversidade de raça, por exemplo. Ao mesmo tempo, estudantes de escolas de áreas pobres podem não ser estimulados a se dedicar aos estudos, a lidar com um currículo mais rigoroso ou não contar com os recursos tecnológicos que escolas de bairros abastados podem ter. As pesquisas que tenho realizado mostram que as oportunidades disponíveis impactam e moldam o que acontece com esses estudantes não apenas na escola, mas também fora dela. Como esses estudantes não têm as mesmas oportunidades e recursos não é justo que se espere que eles desenvolvam os mesmos resultados. Quando se fala nas avaliações, estamos focando nos resultados ou no desempenho, mas devemos focar mais nas disparidades de oportunidades existentes entre os estudantes em sala de aula, e isso nos níveis micro (sala de aula), macro (políticas educacionais) e meso, ou seja, como os distritos educacionais estão implementando as políticas que moldam o que acontece com as crianças em sala de aula.
Portal Cenpec: E qual o papel do professor em relação ao aprendizado em sala de aula?
Richard Milner: Eu acredito que o professor é muito importante. Nunca é demais dizer o quanto um professor pode fazer a diferença na vida das crianças. Ao mesmo tempo, não podemos descontar a realidade fora da escola: a pobreza, o envolvimento da família, o desemprego, a criminalidade, etc. Acho que nos Estados Unidos nós culpamos os professores por tudo.
Esperamos que os professores façam tudo e sejam tudo para nossas crianças. Mas a realidade é que muitos estudantes estão envolvidos com circunstâncias complexas fora da escola, o que pode dificultar a aproximação entre professor e aluno. Ao mesmo tempo, temos excelentes exemplos de professores que se relacionam bem com os alunos e conseguem envolvê-los nas aulas. Então, não sou do tipo que concorda com aqueles que acham que o professor pode fazer tudo, que ele ou ela é um super-homem ou super-mulher, mas precisamos ter em mente que os professores têm um papel fundamental quando consideramos as oportunidades educacionais das crianças e que eles precisam ter uma formação melhor – muito melhor do que a que eles tem tido atualmente.
Portal Cenpec: No seu livro o senhor apresenta uma estrutura explicativa sobre o trabalho com diversidade. O senhor poderia falar um pouco sobre isso?
Richard Milner: Procuro apresentar um resumo das várias situações em que os professores podem enfrentar a questão da diversidade e diferenças de oportunidade. Também apresento uma proposta de estrutura sobre alguns padrões dos professores em relação à diversidade que ajuda a entender os casos apresentados no livro. A primeira parte da estrutura é a importância do professor não negar a existência de diferentes raças/cores (color blindness). Os professores precisam ser encorajados a entender que raça faz diferença. Por exemplo, quando consideramos o número de alunos que são suspensos, expulsos ou enviados para a educação especial, vemos que há um exagero no número de meninos afroamericanos e latinos. Penso que o professor precisa estar atento se a sua perspectiva de ação realmente não enxerga as diferenças raciais. Quando um professor diz “eu não vejo cor, eu não vejo raça, vejo apenas alunos”, isso não é verdade. A realidade é que vemos raça e cor, mesmo sem racionalizar sobre isso.
A segunda parte da estrutura é o reconhecimento dos conflitos culturais por parte dos professores. Costumes, preferências, valores e crenças pessoais – tudo isso tem a ver com nossa cultura e se expressa quando falo com um aluno afroamericano, latino, asiático, branco, pobre, rico ou de um determinado grupo cultural. É dinâmico. O professor precisa estar atento ao aluno ou aluna que está em sua sala de aula para que caso esses conflitos apareçam ele saiba como reagir e negociar com eles. Deve-se considerar que os conflitos culturais podem se tornar oportunidades de aprendizagem.
A terceira parte da estrutura aborda o mito da meritocracia e a crença geral de que a conquista de determinados objetivos na vida se dá apenas por causa do mérito ou esforço pessoal. No meu entendimento, fatos para além do trabalho duro e aptidão contribuem para o sucesso das pessoas na sociedade e das crianças na escola. Muitas vezes o professor diz “eu tenho que ser durão com esses alunos que não estão indo bem, porque se eles não estão indo bem é porque não estão se esforçando o bastante”. Mas, honestamente, a maioria de nós só conseguiu ter algum sucesso na sociedade, na escola, no trabalho, porque existiram pessoas que nos deram uma chance ou nos ajudaram. Muitos do que estão em posição de sucesso hoje o fizeram porque receberam muitas possibilidades para alcançá-lo, seja por herança familiar ou acessos a determinadas oportunidades, como boa educação. Por isso, acredito que os professores precisam entender que fatores além do mérito influenciam no sucesso que a pessoa tem na sociedade.
A quarta parte trata de reverter a baixa expectativa baseada em padrões mentais de fracasso. Alguns professores acreditam que determinadas populações de estudantes não vão conseguir ter sucesso nos estudos. Mas o mais forte indicador do desempenho acadêmico na escola é a existência de um currículo rigoroso, o nos que leva à expectativa do professor! Alguns professores acabam deixando o currículo de lado e não ensinam os estudantes com rigor. Isso prejudica os alunos e seu o sucesso escolar (e social) pode diminuir por causa disso. Por isso, temos que ajudar o professor a entender que toda criança pode aprender, e que não é porque um aluno não conseguiu ir bem em uma determinada matéria no passado ou porque ele faz parte de uma determinada população, gênero, grupo, raça ou etnia, isso não quer dizer que devemos parar de fazer todo esforço necessário para que essa criança aprenda.
O quinto componente da estrutura é a importância do entendimento do contexto social. Algumas pessoas acreditam que para ser um bom professor é preciso apenas conhecer o seu conteúdo, como saber tudo sobre Geografia, Geometria ou Alfabetização. A meu ver e considerando a diversidade dos estudantes, o professor precisa estar atento às diferentes camadas do contexto social. Isto é, considerar que se está dando aula de Matemática ou História em um lugar especifico, para um grupo específico de alunos, com uma história específica – fatores que impactam a estrutura social e cultural e a perspectiva dos alunos em relação às suas experiências. Por isso acredito que entender o contexto social também é parte do trabalho do professor.
Portal Cenpec: O senhor costuma citar a necessidade de se destacar as potencialidades dos alunos e a importância de relacionamento entre alunos e professores. Poderia falar um pouco sobre isso?
Richard Milner: Eu acredito que o caminho do professor altamente bem-sucedido se baseia em duas coisas: primeiro, atitude mental importa. A maneira como ele pensa, suas estratégias, suas crenças sobre seus estudantes, seu material, importa muito. A ideia é que o copo está meio cheio e também meio vazio. A segunda coisa: relacionamento importa. Desenvolver um relacionamento positivo com estudantes é crítico para ser um bom professor. Tenho encontrado evidencias de que não é possível ser um bom professor de conteúdo sem conhecer os alunos. Pesquisas sugerem que alguns alunos não vão nem permitir serem ensinados por um professor a não ser que eles percebam que esse professor se sente confortável com eles e se preocupa com eles para além do que acontece em sala de aula. Da mesma forma, acredito que é fundamental que o professor entenda a situação atual do aluno e reconheça seu potencial.
Portal Cenpec: Em estudo realizado pelo Cenpec em São Paulo pesquisadores encontraram evidências que a segregação e o isolamento espacial também geram isolamento social e cultural. O senhor acredita que isso também acontece nos Estados Unidos?
Richard Milner: Ultimamente temos visto muitas escolas que estão se re-segregando nos Estados Unidos. Alguns argumentam que as escolas estão muito mais segregadas agora do que no período da segregação racial. Isso quer dizer que temos estudantes que tendem a ir a escolas e a encontrar apenas estudantes que parecem com eles mesmos. Há exceções, mas nesse caso não pode se falar em diversidade racial. Essa re-segregação significa que devemos ter uma grande concentração de grupos específicos de estudantes, o que pode dificultar o encontro e a convivência com crianças e uma perspectiva interétnica. Ao mesmo tempo, sabemos que estão em curso algumas políticas que procuram não generalizar e ajudar populações de estudantes com desempenho abaixo do esperado.
Fonte: Correio Nagô
domingo, 26 de fevereiro de 2012
Pelo menos cinco crianças morrem de fome por minuto, diz ONG
Por: Renata Giraldi, da Agência Brasil
24/02/2012
Relatório adverte que cerca de 500 milhões de crianças correm risco de sequelas permanentes no organismo nos próximos 15 anos
A organização não governamental (ONG) Salvem as Crianças divulgou hoje (16) relatório informando que a cada minuto morrem cinco crianças no mundo em decorrência da desnutrição crônica. O documento adverte que cerca de 500 milhões de crianças correm risco de sequelas permanentes no organismo nos próximos 15 anos.
De acordo com a ONG, a morte de 2 milhões de crianças por ano poderia ser prevenida se a desnutrição fosse combatida. O documento informa ainda que embora a fome tenha sido reduzida nas últimas duas décadas, pelo menos seis países são mais afetados – cinco estão na África e o sexto é a Coreia do Norte.
Pelos dados da organização, os países africanos - Congo, Burundi, Comores, Suazilândia e Costa do Marfim - têm os piores dados referentes à fome no mundo desde 1990. Situação oposta ocorre no Kwait, na Turquia, Malásia e no México, que conseguiram avançar e registrar melhorias. Com informações da agência pública de notícias de Portugal, Lusa.
Fonte: Exame
sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012
“É preciso mais negros na universidade para ampliar seu espaço social”, diz professora da PUC-SP
Por: Jornal Opção
01/02/2012
Em entrevista ao jornal Opção, a psicólogo e escritora Fúlvia Rosemberg fala sobre seu foco de atuação na implementação de ações afirmativas
Fúlvia Rosemberg é uma das maiores autoridades do País nos estudos sobre ações afirmativas e educação infantil. Pesquisadora sênior da Fundação Carlos Chagas (FCC) e professora titular em Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), ela também é coordenadora do Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford no Brasil. É dessa última atividade que ela fala com prazer em um dos trechos desta entrevista, ao citar o exemplo de Maria das Dores Oliveira Pankararu, que se tornou a primeira indígena brasileira a concluir um doutorado.
Está no âmbito das ações afirmativas o maior foco de atuação da professora, que iniciou seu trabalho voltado para questões da infância e da literatura infanto-juvenil — é uma crítica do sexismo nas obras do gênero e não poupa o trabalho de Monteiro Lobato. “Expressões como ‘macaca’, que ele usava nos textos para se referir a Tia Nastácia, por exemplo, não seriam jamais aceitas hoje em dia.”
A professora rechaça o entendimento do termo “cotas” para a discussão das medidas tomadas para inserção de excluídos em diversos âmbitos da sociedade, como a universidade. Corrigindo o rumo dos questionamentos, introduz a expressão “ações afirmativas”, que engloba um conjunto de mecanismos, inclusive o das próprias cotas raciais — a pesquisadora considera que cotas sociais (por renda) não são suficientes em uma sociedade como a brasileira em que, argumenta, o racismo é “institucional”. Fúlvia Rosemberg concedeu entrevista ao Jornal Opção logo após participar de mesa-redonda no 2º Simpósio de Ciências Sociais promovido pela Faculdade de Ciências Sociais (FCS) da Universidade Federal de Goiás.
Déborah Gouthier — Até que ponto as cotas são essenciais para o acesso ao ensino superior?
Em alguns setores da vida social brasileira e para alguns segmentos sociais, políticas de ação afirmativa são importantes e necessárias. Essas políticas não são sinônimo de cotas, que são apenas uma das estratégias possíveis de ações afirmativas, mas infelizmente a polarização desse debate no Brasil, especialmente na segunda metade da última década, só se referiu a cotas. Como podemos enxergar quais segmentos sociais devem ter essa política para acesso e permanência no ensino superior? A primeira coisa é que há um desejo expresso por certos setores da sociedade de maior democracia nesse acesso, porque nosso processo de seleção para ingresso no ensino superior não é apenas baseado no mérito. É muito interessante olhar a história do vestibular e analisar sua mecânica. Se a seleção fosse unicamente baseada no mérito, por que as notas de corte variam tanto de curso para curso e de universidade para universidade? Quem faz variar essas notas de corte? O mercado da concorrência, da demanda e da oferta. Em seus primórdios, o vestibular foi introduzido no Brasil para acabar com o nepotismo, porque antes o acesso tinha prova oral. E não há nada que possa atrapalhar mais um processo seletivo do que prova oral, já que há apenas uma escuta de alguém. Esse processo seletivo, portanto, precisava de uma chacoalhada. E uma parte importante dessa chacoalhada veio por meio da reivindicação do movimento negro. O acesso de negros ao ensino superior era e ainda é, de fato, muito reduzido. Nossa pirâmide educacional é uma para brancos e outra para negros, não só em termos de estatísticas gerais, mas também de estatísticas por cursos e por universidades. As melhores universidades brasileiras tinham um acesso muito reduzido de negros — nem vou falar de indígenas, então — e de pessoas egressas do ensino médio na rede pública. Toda vez que eu ia ao exterior e contava sobre a loucura que é a lógica do sistema educacional brasileiro, em termos de privilégios a certos segmentos sociais, as pessoas ficavam realmente muito impressionadas. No Brasil, setores da classe média pagam escola privada até o final do ensino secundário e dão garantia quase total a seus filhos de entrarem em instituições que, em outros países, são caríssimas, mesmo as públicas. Para a gente, o ensino superior público é praticamente gratuito. Há uma reversão da lógica democrática. Dessa forma, alterações nesse acesso eram necessárias e elas vieram de várias formas. A política de cotas é uma delas. Houve também o ProUni [programa de bolsas do governo federal para estudantes de universidades privadas], uma estratégia que podemos considerar de ação afirmativa, apesar de alguns considerarem que é só um ajuste de imposto [incentivo fiscal], mas que abriu possibilidade para certos segmentos entrarem na universidade particular. Na universidade pública temos, majoritariamente, o sistema de cotas, que ampliou o acesso em um setor da vida social em que este era restrito e era preciso fazer uma mudança rápida. Isso é ação afirmativa: uma correção de desigualdade em setores cujo ingresso teria sido meritocrático e há poucas vagas disponíveis. É importante ressaltar que, antes da questão das cotas raciais, houve uma política para as mulheres em certos âmbitos e ninguém brigou por causa disso. Quando, por exemplo, houve a obrigatoriedade de cotas para o sexo feminino no total de candidaturas dos partidos políticos todo mundo louvou a medida. Por outro lado, quando houve a discussão das cotas para o ensino superior, houve muito estrilo por parte das elites nacionais, por ser um nicho que estas defendem com unhas e dentes. De um modo geral, eu acho que a questão das cotas nas universidades sempre foi um debate mal colocado para a sociedade.
Cezar Santos — Não há um desvio de foco na questão das cotas? Parece-me que o problema é muito mais em relação ao aluno pobre do que em relação ao aluno negro ou indígena.
Déborah Gouthier — Não seria mais necessária uma cota social do que racial?
Vocês se referem à cota econômica, por condição da família da pessoa. Os estudos que têm sido feito, por nós e outras pessoas desde os anos 1970, têm mostrado que a condição econômica não é a única explicação para a desigualdade que observamos no Brasil entre brancos e negros, entendendo-se, por favor, “negros” como “pretos e pardos”. Uma questão muito importante: negro, na minha boca, não é sinônimo de preto.
Cezar Santos — Se no registro de nascimento do pai de um aluno consta “pardo”, esse aluno, então, poderia solicitar uma inscrição ao vestibular pela cota?
Se ele quisesse, sim. O regime para disputar uma vaga por cotas, no Brasil, leva em conta a autodeclaração.
Déborah Gouthier — O que fica mais relativo ainda, não?
Sim. Tudo é relativo. Mas quem disse que tem de ser não relativo? Se neste País até o Imposto de Renda, para o qual há tanta documentação para comprovar, por que esses argumentos afloram assim, nessa questão das cotas? O que é importante, e muito importante (enfática), é colocar muito jovem negro na universidade para ampliar sua visibilidade em espaços sociais, fazendo justiça e tornando-os modelos para as crianças e adolescentes que estão vindo por aí. Ação afirmativa não é uma política para o resto da vida, mas para reverter a lógica do mercado na seleção de candidatos a determinadas posições na sociedade para as quais se tem um reduzido número de vagas, em que a relação oferta–procura é orientada por processos discriminatórios. Achar que a gente vai fazer ação afirmativa para todo o ensino fundamental, por exemplo, é um equívoco, na minha perspectiva, na conceituação de ação afirmativa. É importante, se a universidade é democrática e se o País tem um projeto político de ampliação de competências e acha que essas competências estavam submersas em um processo de seleção antidemocrático — como considero o vestibular — e que há recursos suficientemente fortes para abrir o ensino a ser menos elitista, o País está desenvolvendo esse tipo de política. Poderia se dizer também que as mulheres não precisariam de cotas para representação nos partidos políticos, mas é preciso analisar cada condição. Na questão do ensino superior, nenhuma das universidades que estabeleceu política de ação afirmativa, inclusive via cota, tirou a dimensão do mérito, todas continuam fazendo análise de mérito, mas em um segundo momento. Primeiro, equaliza-se as oportunidades e faço uma justiça de grupo; e, depois, naquele grupo, escolhem-se os melhores. Assim, vão se comparar iguais entre iguais. O que ocorria antes era que se comparavam desiguais.
Cezar Santos — É a questão do mérito individual?
É exatamente isso: a lógica da ação afirmativa é que, em uma primeira fase, haja uma seleção de grupo. Têm-se mais oportunidades porque se pertence àquele grupo, com os requisitos daquele processo seletivo. Ninguém está colocando um negro ou um indígena que não tenha terminado o ensino médio. Esse negro ou indígena já tem um enorme merecimento por ter concluído esse processo. Se ele negro responde aos requisitos legais que são dispostos — como no caso da mulher que é candidata a uma cota política —, a partir desse momento a disputa será pelo mérito. Ou seja, depois de haver a equalização de oportunidades entre os grupos.
Cezar Santos — Há pouco mais de um ano, tive a oportunidade de entrevistar professores da UEG sobre a questão das cotas. Eles foram unânimes em afirmar que os cotistas tinham as piores notas.
É preciso observar os estudos que são feitos nas universidades e não se basear em opiniões pessoais. Na última reunião da Anpocs [Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais], foram apresentadas algumas pesquisas. Na Universidade Federal da Bahia, os resultados são bem outros em relação ao que esses professores da universidade goiana disseram. São avaliações e análises que não se baseiam em achismos. Digo isso até mesmo a partir do programa de ação afirmativa que coordeno e que já concedeu 343 bolsas de mestrado e doutorado, preferencialmente para negros e indígenas nascidos no Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil — há programas que são baseados em território, como a França já fez e a Capes [Coordenação de Aperfeiçoa-mento de Pessoal de Nível Superior, órgão do Ministério da Educação que cuida da pesquisa brasileira e da expansão de mestrados e doutorados no País] já faz no Brasil, nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. É um programa internacional que, com o acompanhamento que fazemos, tem uma taxa de sucesso igual ou até melhor do que a da Capes, em relação à desistência, ao tempo médio de titulação em mestrado e doutorado etc. Temos entre os ex-bolsistas a primeira mulher indígena doutora e a segunda pessoa indígena doutora do Brasil. Não se pode imaginar a importância para as meninas e adolescentes indígenas de ver no “Jornal Nacional” a defesa de tese dessa indígena, chamada Maria das Dores Oliveira Pankararu. Aliás, uma tese de doutorado fundamental para quem faz crítica ao sistema de ação afirmativa. Ela fez a recuperação linguística de uma língua que tem 12 falantes para produzir material didático para as crianças nas escolas indígenas poderem dar continuidade a essa língua. Que patrimônio cultural fantástico é a manutenção de uma língua! (enfática)
Roberto Cunha Alves Lima — Na UFG, os estudos mostram que as notas entre cotistas e não cotistas são absolutamente iguais e em muitos cursos os cotistas têm até notas superiores.
O que é preciso observar é que há realmente um risco de pior aproveitamento se não há nenhuma estratégia de manutenção do aluno na universidade, já que os cotistas vêm de grupos socioeconômicos mais pobres, de localidades com menor provisão de transporte público de boa qualidade, de regiões com menor acesso a bibliotecas e de família com menos recursos para ampará-los. Entre as pessoas que chegam por meio de ações afirmativas, há muitas que tiveram origem de sua formação nos movimentos sociais e que são um desafio para a universidade, por conta de suas experiências de vida e do olhar que têm para as questões sociais e políticas. Portanto, quando falo de diversidade por meio de programas de ação afirmativa não é de cor de pele que eu falo, mas de uma diversidade de experiência de vida que traz novidades para a universidade. É muito fácil ser competente entre quatro paredes, sem desafios. Mas a minha competência aumenta consideravelmente se eu balanço os conhecimentos estabelecidos. Desse modo, uma das experiências fortíssimas que tivemos nesse programa que coordeno foi observar como essas pessoas que não tinham assento na pós-graduação brasileira passaram a ter esse assento e trouxeram problemas a ser resolvidos por professores e alunos. Na primeira fase do programa, escolhemos as pessoas que, pela lógica do mercado brasileiro, teriam a menor probabilidade de entrar em uma pós-graduação. Do ponto de vista do mérito, depois de equalizar o grupo, esquecemos que são negros e indígenas. A partir desse grupo, se escolhem as melhores pessoas com maior mérito acadêmico, o mesmo processo do vestibular brasileiro que ocorre por cota. No nosso caso, além da nota pelo projeto, é também ter uma proposta de pesquisa socialmente relevante, como ocorreu com a indígena Maria das Dores.
Cezar Santos — Como profissional da educação, a sra. não acha que exista uma ênfase demasiada no ensino superior? Nos Estados Unidos e em outros países, o ensino técnico é bastante valorizado e a pessoa se realiza profissionalmente com isso.
Vejo dessa forma também. Isso não ocorre só em relação a cursos técnicos. A pirâmide educacional brasileira continua muito distorcida. Apenas 18% das crianças de 0 a 3 anos têm acesso à creche. É a etapa da vida em que há menos acesso ao sistema de ensino, em termos do curso normal de aprendizado. Se fosse eu, Fúlvia, quem pudesse decidir sobre as prioridades na educação, eu daria toda a ênfase nas crianças pequenas. Há muitas distorções no sistema de ensino brasileiro. Por exemplo: tenho certeza de que, se no Brasil o ensino superior tivesse maior presença proporcional de brancos, classe média e classe alta e moradores do Sul e do Sudeste, o ensino técnico valeria menos ainda. Somos uma sociedade tão hierarquizada que iríamos hierarquizar quem tem ensino superior em relação a quem tem ensino técnico, deixando de valorizar estes. Por que há, então, esse temor às cotas? É possível explicar pelo fato de que antigamente, quando se selecionava quem havia concluído o ensino superior, isso não se dava apenas pelo que essa pessoa havia aprendido, por suas competências. Isso indicava também de que família ela vinha, quais eram suas origens, suas aprendizagens, se ela tinha feito intercâmbio ou não. O acesso não era só o conhecimento. Com essa “mistura” maior no ensino superior no Brasil, talvez isso mude um pouco. E talvez seja isso uma das razões de a escola brasileira estar tão atrapalhada, simplesmente por não saber lidar com isso.
Cezar Santos — Como está a questão da presença do aluno oriundo de escola pública na universidade pública? Ele continua sendo exceção nesse espaço e tendo de ocupar vagas nas instituições particulares?
O que se observa em várias regiões do País é que houve a abertura a galope de instituições de ensino superior privadas de baixa qualidade e para as quais vão pessoas com menos recursos. No programa de pós-graduação que coordeno, queríamos dar muitas bolsas de estudo para advogados negros e indígenas, mas isso era muito complicado, porque sua formação básica geralmente tinha sido muito ruim nessas universidades particulares de beira de estrada.
Cezar Santos — É então um problema racial e não social?
Há um grupo de pesquisadores e ativistas que considera que não há problema racial no Brasil e que tudo se resolve com a questão da diminuição das desigualdades econômicas. Há outro grupo de pesquisadores, estudiosos, militantes e políticos que considera que, em decorrência do passado escravista e das políticas iniciais de inclusão dos negros na ordem republicana, a condição socioeconômica não explica tudo e que há um racismo estrutural no Brasil que não precisa necessariamente se manifestar no preconceito racial. Ou seja, a sociedade brasileira é organizada, em sua dinâmica, para sustentar e produzir racismo. Não digo que não haja uma dimensão econômica, mas vamos pegar um fato do âmbito da educação: quando ocorreu a proclamação da República, houve uma interdição ao voto do analfabeto. Quando o analfabeto pôde votar no Brasil? Só na década de 1980, antes da nova Constituição de 88. Até a República, quem era analfabeto? A massa negra quase que por completo, porque havia uma proibição de alfabetização de escravos, que, no fundo, era a impossibilidade de alfabetizar negros. Portanto, a lei que proibiu o voto do analfabeto só não era racista na aparência. Foram 90 anos de interdição de uma massa da população a ter acesso a se expressar politicamente. Nessa massa, de analfabetos, vamos ter fundamentalmente negros. Toda vez que analiso dados, encontro, sempre, um diferencial entre brancos e negros que vai além da questão de diferença de renda. Como outros pesquisadores, atribuo esse diferencial, entre pessoas com a mesma renda familiar, da mesma região, com a mesma idade, às diferenças de raça. Quando falamos de racismo, isso não é relativo exclusivamente ao preconceito racial, mas de um racismo institucional; e não de um racismo só de hoje, mas também de um racismo que se instaurou historicamente e que está sendo sustentado, porque há poucas políticas, de fato, para combater o racismo.
Cezar Santos — Como explicar o fato de que um negro, Machado de Assis, seja considerado o maior escritor brasileiro de todos os tempos e o fundador da Academia Brasileira de Letras?
Existe a teoria dos alpinistas sociais, aqueles que conseguem furar barreiras, aqueles que rompem obstáculos, pessoas brilhantes, são gênios. Mas isso não significa que não haja racismo no Brasil.
Cezar Santos — Mas, então, não cairíamos na questão do mérito pessoal?
De forma alguma. Pergunto a você: quantos Pelés brancos existem no Brasil? As crianças jogavam futebol onde queriam no Brasil e pôde aparecer um Pelé. O que queremos, com a questão das ações afirmativas, é que haja Pelés no plano intelectual, acadêmico e político. Outro exemplo, em relação à questão que você mesmo citou: hoje temos uma presidenta da República no poder. A condição de vida das mulheres se resolveu neste País por causa disso? Pense se uma mulher tem condições de sair sozinha à meia-noite em um bairro de classe média, como é o meu em São Paulo. Eu não saio. É a mesma lógica em relação a Machado de Assis, há algumas circunstâncias muito especiais que favorecem um fato. Outro caso a citar é o do ex-presidente Lula, que tem um passado de família pobre, retirante nordestino, operário. Por causa dele podemos dizer que não há miséria no País e que todos os pobres conseguiriam ser presidente da República? Não. Então, por que para a questão do negro sempre há esse exemplo e para outras categorias sociais isso não acontece?
Déborah Gouthier — A sra. aconselharia as crianças a ler Monteiro Lobato?
Não é uma questão de aconselhar ou não. A questão é: a escola brasileira pública, que usa recursos do Programa Nacional do Livro Didático, pode comprar e distribuir qualquer coisa? Para meus filhos eu dou o que eu quero e não quero ninguém dizendo o que quero dar ou não. Reorientando a pergunta de acordo com o debate que aconteceu, eu diria: o governo brasileiro, que compra e distribui livros gratuitamente com nosso dinheiro, pode comprar e distribuir nas escolas qualquer tipo de literatura sem nenhum controle social? No caso do livro de Monteiro Lobato [“Caçadas de Pedrinho”, que causou polêmica recentemente por considerarem que continha termos racistas], o que houve foi o controle social de um pai negro, cuja questão foi posta ao Conselho Nacional de Educação, que, por sua vez, deu uma resposta interessantíssima e que já estava sendo dada em outras áreas, como a do meio ambiente: continue-se a distribuir o livro, mas com um comentário, que eu já havia sugerido, de forma muito mais radical, quando fazia pesquisas sobre livros didáticos e questões racistas e sexistas — que aquelas expressões de Monteiro Lobato tinham sido escritas em outro tempo histórico e que hoje elas podem ser consideradas racistas.
Cezar Santos — Um comentário que contextualiza o livro.
Exatamente. E um comentário que ajuda a discutir a obra, mas sobre o qual a mídia caiu em cima, como se houvesse uma censura à obra.
Cezar Santos — Mas, então, a sra. daria um livro de Lobato a seus filhos?
Sim, eu dei a eles o que eles quiseram ler. Não tive nenhum problema com relação a isso. Fiz análise de Monteiro Lobato, meu começo de trabalho de pesquisa foi sobre literatura infanto-juvenil e livros didáticos. Se olharmos bem as expressões dos livros dele — falo das obras, não dele —, vemos que ele chama, por exemplo, Tia Nastácia de “macaca”. Quer dizer, é uma figura característica da época dele, mas que hoje não se aceita mais. Quando comecei a fazer pesquisa sobre isso, verifiquei o sexismo nos livros brasileiros, algo que vai de mãos dadas com o racismo. Basta olhar para trás como se aprendia na escola. Se eu fosse do governo brasileiro, poria, na contracapa do livro didático — como se coloca hoje nas carteiras de cigarro, junto àquelas fotos chocantes, a expressão “Este produto faz mal à saúde” — algo como “Atenção professores, famílias e leitores: este material pode conter informações ou deformações da vida social e política”. Fiz essa sugestão há 20, 30 anos, porque é um fato! (enfática) Naquela época, vocês não imaginam como pintavam a sexualidade, por exemplo, nos livros das editoras católicas. Em um livro desses, uma moça adolescente saiu com um rapaz, transou, ficou grávida e o rapaz não a quis. O que ela fez? Suicidou-se. Eu chamei isso de “pedagogia do terror”. Então, não é porque é o Monteiro Lobato ou é isso ou aquilo que se está acima do bem e do mal. A literatura didática, transmitida na escola, é um pouco defasada em relação aos tempos sociais das crianças. Mas Lobato é imexível para determinadas pessoas no Brasil, como possivelmente Machado de Assis.
Cezar Santos — O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não é uma formulação avançada demais para a realidade brasileira? O que fica como questionamento é que parece que o País não tem estrutura para atendê-lo.
Não sou defensora irrestrita do ECA nem da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, mas não pelas razões que são colocadas habitualmente. Há uma defasagem entre a lei e a realidade. Em relação ao que a Cons-tituição de 88 nos prometeu, ainda é necessário implementar algumas coisas. Por exemplo, a igualdade de condições entre homens e mulheres. Temos 120 de história republicana e 70 anos de Ministério da Educação e só houve uma mulher no cargo, que foi Ester Figueiredo, no governo de João Figueiredo [1979-1985]. Por que há essa defasagem? Um dos motivos é que as negociações para encaminhamento das leis omitem contradições e dissensões. Se pesquisarmos os debates da Assembleia Nacional Cons-tituinte, poderemos, com uma lupa dos anos 2000, que as dissensões estavam lá. Mas como queríamos uma palavra de ordem mais unitária, não prestamos atenção nessas dissensões. Pude revisitar os debates da Constituinte em relação às questões da infância. No que diz respeito ao artigo 227 — que vai originar o ECA —, encontro duas posições: uma absolutamente assistencialista e outra de vanguarda, que será vitoriosa na Convenção sobre os Direitos da Criança, segundo a qual a criança é um sujeito de direitos também. Nenhum partido político brasileiro tem, em sua agenda, uma questão específica sobre a infância. Então, como é que o ECA foi aprovado? Ou seja, há uma defasagem muito grande também porque, em relação à legislação, as pessoas atuam mais no plano discursivo do que no plano de prática social. É mais fácil chegar a um acordo negociado na discussão do que na implementação das políticas, quando será preciso, de fato, dos recursos. Ressalto que não estou jogando a Constituição fora; pelo contrário, foi ela que abriu e garantiu as liberdades democráticas neste País. Vivi bem o regime de exceção e digo: ditadura, nunca mais.
Cezar Santos — Mas há exageros evidentes na Constituição, que causam ilusão na cabeça das pessoas. Por exemplo, o direito à moradia está garantido por lei.
A Constituição, o ECA, a Convenção, tudo isso dão um norte e permitem que se lute por aquilo. É uma pena, realmente, que seu conteúdo ainda não tenha sido implementado na prática. Toda a legislação— seja nacional ou internacional, constitucional ou infraconstitucional — ocorre em um contexto político, no qual se têm vários embates. Então, o ECA não é só uma legislação infraconstitucional para crianças e adolescentes; é algo que tem uma parte de diálogo com a dimensão internacional do País. A Constituição e o ECA estão muito colados na Convenção. E quem deu o norte para a Convenção? A guerra fria, o embate entre o Ocidente e o Leste europeu, os primeiros sustentando os direitos civis e os últimos, os direitos sociais. Durante o debate do ECA, havia atores que se digladiavam para conseguir determinadas posições políticas: havia os antigos juízes de menores, interesses latino-americanos muito influentes etc. O que houve no fim da década de 1980 foi tentar articular duas linhas de justiça de complexidade e, talvez, de impossibilidade de ajustamento, que foram a dimensão de proteção e a dimensão de liberdade. Passaram, no plano legal — no ECA, na Convenção e na Constituição —, duas perspectivas que vêm de histórias diferentes e que têm implicações diferentes: os “direitos de” e os “direitos a” — “de” proteção e “à” liberdade. Ora, ao colocar os direitos à liberdade da criança e do adolescente em uma sociedade adultocêntrica e tão desigual quanto a brasileira, a perspectiva de transformação dos direitos em práticas é muito complicada. Como eu, criança, posso exercer o direito à participação social se eu não tenho acesso, em meu bairro, a nenhum equipamento cultural?
Cezar Santos — Como estudiosa da área, o que a sra. apontaria como mais problemático na educação brasileira?
O mais problemático na educação brasileira é seu caráter não democrático, que se manifesta em dois planos: o do acesso e permanência e o da qualidade. Há segmentos sociais que são discriminados — seja por região, local de moradia, por idade, raça, etnia, etc. As desigualdades sociais são observadas na educação e esses segmentos sociais têm menos acesso e menor possibilidade de permanecer e ter sucesso e usufruem de uma educação de pior qualidade. Dessa forma, não vejo possibilidade de melhoria da qualidade da educação sem ampliação dos recursos orçamentários, sem valorização do magistério de forma muito intensa e sem uma valorização mais geral da educação por outros setores que não só os educacionais. Para o sistema educacional melhorar, é necessário que a educação da população, no geral, também esteja melhor. Se a educação da população no geral não melhora, o debate sobre a educação será sempre muito rasteiro e as exigências e metas políticas de melhoria serão também muito rasteiras. Para isso, é preciso também ampliar o orçamento.
quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012
Estudo destaca situação de vulnerabilidade de crianças indígenas
Por: Karol Assunção - Adital
31/01/2012
"O pertencimento a um povo indígena põe as crianças e os adolescentes em uma situação de maior vulnerabilidade”. Essa é uma das conclusões destacadas pelo Ministério de Desenvolvimento Social do Chile e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no estudo Incluir, Somar e Escutar – Infância e Adolescência Indígena.
A publicação, elaborada em 2011, apresenta dados da Enquete de Caracterização Socioeconômica Nacional (Casen) referentes à população infantil e adolescente indígena e não indígena entre os anos de 1996 e 2009. As observações destacadas no estudo não são nada positivas para meninos e meninas indígenas, população que representa 8,7% do total de menores de 18 anos de idade no país.
Segundo a pesquisa, a pobreza é uma realidade presente na vida de 26,6% das crianças e dos adolescentes indígenas chilenas. Entre os não indígenas, essa porcentagem cai para 21,7%. O número de lares com crianças que se encontram abaixo da linha da pobreza também é maior entre a população indígena. De acordo com o estudo, 23,1% dos lares com presença da população infantil indígena estão abaixo da linha da pobreza, enquanto que essa situação faz parte da realidade de 17,6% das casas com crianças não indígenas.
"A diferença de pobreza se relaciona estreitamente com a condição de atividade e segurança trabalhista dos chefes de casa. As mulheres apresentam um atraso em matéria de inserção laboral, acentuando-se nas indígenas e rurais. Também a situação contratual é mais instável neste grupo”, revela, destacando ainda a "feminização da pobreza indígena”.
A pesquisa constata que as residências chefiadas por mulheres indígenas são mais pobres e indigentes que as chefiadas por mulheres não indígenas. Além disso, destaca a condição econômica também está relacionada ao gênero do/a chefe/a do lar.
"A média de rendas autônomas dos chefes de lar com população infantil revela uma importante diferença de gênero, em que as rendas são menores no caso das [casas] chefiadas femininas do que das masculinas. As mulheres chefes de lares urbanos com população infantil indígena recebem 78% das rendas que recebem os homens que são chefes de lares das mesmas características. Por sua parte, as mulheres chefes de lares rurais compostos por meninos, meninas e adolescentes indígenas recebem 54% das rendas dos homens que cumprem igual função em lares das mesmas características (indígenas e rurais)”, ressalta.
Além disso, o estudo mostra que as crianças indígenas estão deixando de conhecer sua língua. De acordo com a publicação, 89,4% da população infantil indígena não fala nem entende sua língua originária. Por outro lado, destaca o aumento do acesso à educação tanto para indígenas como para não indígenas.
A educação pré-escolar e o ensino básico apresentam coberturas similares tanto para indígenas quanto para não indígenas. Entretanto, a diferença de acesso à educação entre os dois grupos surge nas etapas de ensino médio e superior. 29,9% dos não indígenas conseguem chegar ao ensino superior; entre os indígenas, entretanto, essa porcentagem não chega a 20%.
"O acesso à educação apresenta um dos desafios mais importantes, já que, se bem que coberturas e o acesso à educação pré-escolar e básica estão garantidos, observa-se um importante abandono escolar por parte dos adolescentes e jovens indígenas, enquanto que as porcentagens de presença diminuem à medida que avançam os níveis educacionais. Também, o acesso à educação superior requer políticas que incorporem nos processos de ensino as particularidades culturais dos povos indígenas com o objetivo de paliar as diferenças de cobertura, possibilitando um acesso à educação superior com igualdade de condições”, considera.
Fonte: Adital
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